30.11.07

Uma espécie de sol. Esse espaço!





Moryah

Nesse tempo, esperava crescer para molhar o pão no vinho. Jogava à bola na grande garagem e corria sempre, quase distraído.
Não sabia ainda um nome para as coisas. Contava os passos e prendia o amigo. Subia às árvores, derrubava ninhos e fugia. Havia apenas o monte e esconderijos nos penedos. E a mina escura.
Os dias passavam sem que me lembrasse. Uma espécie de sol me protegia.

Mário Rui de Oliveira

Este espaço é de algum modo nostálgico e procura ir à memória antiga.

No meu caso, à realidade inventada, às corridas nos jardins, às pequenas transgressões e aos pães com manteiga e refresco de cevada.

Não como um lugar em que devamos ficar imóveis mas, como um lugar em que a infância se recupera para melhor avançar.

É talvez outra - mas existe - a espécie de sol que nos protege agora.

28.11.07

Um espaço de incêndio


Larry Breed

A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!

Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...


Mario Quintana

27.11.07

O Espaço "i" a Fé


?

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
creio na deusa com olhos de diamantes,
creio em amores lunares com piano ao fundo,
creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

creio num engenho que falta mais fecundo
de harmonizar as partes dissonantes,
creio que tudo é eterno num segundo,
creio num céu futuro que houve dantes,

creio nos deuses de um astral mais puro,
na flor humilde que se encosta ao muro,
creio na carne que enfeitiça o além,

creio no incrível, nas coisas assombrosas,
na ocupação do mundo pelas rosas,
creio que o amor tem asas de ouro. Amén.

Natália Correia

26.11.07

Um espaço sobre o que nos traz o outono


Ian Dingman

deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me

que o dia te seja limpo

Al Berto

24.11.07

Espaço : A importância das pequenas coisas


Nikolai Zhelyazkov

Há muito tempo que o meu axioma é de que as pequenas coisas são infinitamente as mais importantes.

Arthur Conan Doyle

De qualquer modo, é bom que não fiquemos demasiado tempo sem olhar para a estrada. Parece-me que o grande, o futuro, o conjunto, o horizonte,... também não devem ficar esquecidos.

23.11.07

Mais que um mero Deus no espaço


Dorothei

venho dormir junto de ti
e o meu corpo é uma coisa diferente
do que se vê ou toca ou sente;
é, fora de mim, essa coluna de ar onde respiro,
olhos que beijam o teu corpo exacto,
as muitas mãos que dobram o teu rosto.

Um deus que dorme, um deus que dança, e mais
que um mero deus, o breve amor do tempo.

António Franco Alexandre

22.11.07

As pessoas e as folhas : um espaço comum




Sophie Thouvenin

Não há, não,
duas folhas iguais em toda a criação.


António Gedeão

Essa é a dificuldade mas a grande beleza também.

21.11.07

Espaço Karnak

O mundo é pequeno pra caramba
Tem alemão, italiano e italiana
O mundo filé milanesa
Tem coreano, japonês e japonesa

O mundo é uma salada russa
Tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia
O mundo é uma esfiha de carne
Tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire

O mundo é azul lá de cima
O mundo é vermelho na China
O mundo tá muito gripado
O açúcar é doce, o sal é salgado

O mundo caquinho de vidro
Tá cego do olho, tá surdo do ouvido
O mundo tá muito doente
O homem que mata, o homem que mente

Por que você me trata mal
Se eu te trato bem
Por que você me faz o mal
Se eu só te faço o bem

Todos somos filhos de Deus
Só não falamos as mesmas línguas
Todos somos filhos de Deus
Só não falamos as mesmas línguas

Everybody is filhos de God
Só não falamos as mesmas línguas
Everybody is filhos de Ghandi
Só não falamos as mesmas línguas

Já não ouvia Karnak há uns tempos largos. A banda não é muito conhecida e, infelizmente, já terminou. Hoje cairam-me nos ouvidos como quem afasta as nuvens e o mau tempo. A música que transcrevi não é a mesma que se pode ouvir.

É festa e dança! São bem doidos! Dizem mentiras e grandes verdades! Aí vai!


20.11.07

Espaço : Post-Scriptum


Elif Karakoc

Estou mesmo a precisar
de uma injecção
de essência de rosas.

Jorge Sousa Braga

19.11.07

Espaço de Maria Bloom


Crackart

Maria Bloom estava apaixonada e, como na inclinação de um caminho, os seus seios e a sua boca inclinavam-se para o desejo. Certas coisas invisíveis vêem-se.

Em Paris Maria Bloom falava delicadamente, noutras cidades dizia rápido o que tinha a dizer e calava-se; era agressiva.

Os sítios influenciam o discurso.

Toda a fechadura é um sinal de fracasso da humanidade.

Maria Bloom por vezes era literária nas extremidades eróticas, o que aborrecia os homens. Preferiam que ela fosse erótica nas frases, erótica no alfabeto. No entanto existiam ainda outros dias.

Não se prende o amor com pregos, ao coração. Daí a fragilidade.

Gonçalo M. Tavares

17.11.07

Mergulhar num espaço sem nome


Daniel Egnéus

... ou se quiseres mergulha tu também noutro espaço de surpresas!

Bom fim de semana!

15.11.07

Um espaço aborrecido


Anca Moanta

O tédio é o pior de todos os estados.

Voltaire

Aqui me tens, esperando a morte.

Genet

Desculpem o mau jeito mas, sinceramente, acho que estas duas frases têm tanto de brutal como podem ter de verdade.

O tédio é possivelmente das coisas mais nefastas que a actualidade contém. Entra devagar e vai retirando a capacidade de nos entusiasmarmos, sonharmos e lutarmos seja pelo que for. Mais, engana-nos tão lentamente que quem o sente se vai achando acomodadamente feliz.

Não me parece grande ideal desejar estar na vida como num sofá.

14.11.07

Espaço : o rasto dos cometas


?

Bem-vindos de novo!

13.11.07

um espaço de agora : nem azul, nem no céu



Noah Kalina

Entretanto amanheceu
Entretanto anoiteceu
Entretanto amanheceu
Entretanto anoiteceu
Entretanto amanheceu
Entretanto anoiteceu
...

Não sei porque duvidamos tanto na eternidade...

... se ela já cá está.

um espaço para enunciarmos no presente...



Guido Caldeira
Carla Salgueiro

Quando entre a noite e nós se estabelecia um parentesco cúmplice

Ruy Belo

12.11.07

todo o espaço com o mesmo nome

hesito muito antes da palavra.
porque um precipício se abre nela
e não tem sentido, vibra apenas.
porque pode ser a morte
ou o nascimento para um lugar
de cores e fadas e barcos de sol.
porque me doem as mãos
cada vez que tento segurar
o mundo em traços redondos quadrados.

por isso te digo: hesito e morro e nasço.
e corro para a rua com a força de quem
vai anunciar gritar chamar dizer.
mas lá fora sorrio apenas
enquanto caminho para um banco
de jardim, devagarinho,
como se por um momento
eu soubesse o nome de tudo
e tudo tivesse o mesmo nome.

Vasco Gato

10.11.07

espaço ante a aurora


?

Atira a pedra de hoje,
esquece e dorme. Se é luz,
amanhã hás-de encontrá-la,
feita sol, ante a aurora.


Juan Ramón Jiménez

Boa noite e boa manhã!

9.11.07

espacio a elegir



Jae Liu

La verdad es que
grietas
no faltan

así al pasar recuerdo
las que separan a zurdos y diestros
a pequineses y moscovitas
a présbites y miopes
a gendarmes y prostitutas
a optimistas y abstemios
a sacerdortes y aduaneros
a exorcistas y maricones
a baratos e insobornables
a hijos pródigos y detectives
a borges y sábato
a mayúsculas y minúsculas
a pirotécnicos y bomberos
a mujeres y feministas
a aquarianos y taurinos
a profilácticos y revolucionarios
a vírgenes y impotentes
a agnósticos y monaguillos
a inmortales y suicidas
a franceses y no franceses

a corto o a larguísimo plazo
todas son sin embargo
remediables

hay una sola grieta
decididamente profunda
y es la que media entre la maravilla del hombre
y
los desmaravilladores

aún es posible saltar de uno a otro borde
pero cuidado
aquí estamos todos
ustedes y nosotros
para ahondarla

señoras y señores
a elegir
a elegir de qué lado
ponen el pie.

Mario Benedetti

As imagens são demasiado escuras, solitárias e desesperadas para se ligarem directamente ao texto, de qualquer modo, sinto que as escolhi por uma qualquer relação.

Não creio muito em "grietas", em fendas que dividem os "bons" e os "maus". Nem creio muito em separações lineares a regra e esquadro. Aliás, acho até que o mesmo Homem é capaz de grandes feitos e de grandes atrocidades, que somos feitos de uma massa criadora belíssima mas, simultaneamente, frágil ao ponto de fazermos pequenas e gigantes fealdades.
Desagrada-me ainda mais a rotulação. A pretensão de sermos catalogados ou de nos catalogarmos como maiúsculos ou minúsculos, profiláticos ou revolucionários, maravilhosos ou "desmaravilhosos". Somos muitas coisas. Somos preto e branco e uma série de cores. Somos pessoas em construção!

No entanto, o texto agrada-me porque joga com as nossas intenções, vontades e possibilidades/necessidades de optar. Porque nos interpela a dar um passo e nos diz:
"Ainda vais a tempo. Somos todos responsáveis. Tens é de escolher. Elege bem!".


7.11.07

espaço : a vida responsável



Pipilotti Rist


Conduzir mas sem ter um acidente,
comprar massas e desodorizantes
e cortar as unhas às minhas filhas.
Madrugar outra vez e ter cuidado
em não dizer inconveniências,
esmerar-me na prosa de umas folhas
e estou-me nas tintas para elas,
retocar de vermelho cada face.
Lembrar-me da consulta ao pediatra,
responder ao correio, estender roupa,
declarar rendimentos, ler uns livros,
fazer umas chamadas telefónicas.
Bem gostaria de me dar ao luxo
de ter o tempo todo que quisesse
para fazer só coisas esquisitas,
coisas desnecessárias, prescindíveis
e, sobretudo, inúteis e patetas.
Por exemplo, amar-te com loucura.

Amalia Bautista

6.11.07

espaço. sei que canto.


?

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou se desfaço,
- Não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.


Cecília Meireles

5.11.07

pensamentos admiráveis num espaço sem estrelas...


Snjezana Josipovic

Não é difícil alimentar pensamentos admiráveis quando as estrelas estão presentes.

Marguerite Yourcenar

A dificuldade [e o grande desafio] é fazê-lo quando elas não estão!

4.11.07

o espaço da dança dos erros



Yoko Ikeno

Obrigado!

2.11.07

um espaço poema?


1.
Em que medida se sente culpado por ser VIH positivo?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

2.
Em que medida se sente culpado por precisar da ajuda de outros?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

3.
Em que medida se preocupa com a interrupção da sua linha familiar?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

4.
Em que medida se preocupa com o modo como o irão lembrar depois da sua morte?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

5.
Em que medida o incomodam sentimentos de predestinação?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

6.
Em que medida teme o futuro?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

7.
Em que medida a sua morte o preocupa?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

8.
Em que medida o preocupam pensamentos de que irá morrer de um modo diverso daquele que, um dia, antecipou?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

9.
Em que medida o tempo e o lugar da sua morte o preocupam?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

10.
Em que medida o preocupa o sofrimento antes da morte?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?

11.
Em que medida se culpa a si mesmo pela sua infecção VIH?
Nada? Um pouco? Moderadamente? Muito? Muitíssimo?


Luís Quintais

Afinal, quais as fronteiras da poesia?

1.11.07

quando partir de avião para o espaço



Branislav Kropilak


Vou partir de avião
e o medo das alturas misturado comigo
faz-me tomar calmantes
e ter sonhos confusos

Se eu morrer
quero que a minha filha não se esqueça de mim
que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
e que lhe ofereçam fantasia
mais que um horário certo
ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
dentro das coisas
sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
em vez de lhe ensinarem contas de somar
e a descascar batatas

Preparem a minha filha
para a vida
se eu morrer de avião
e ficar despegada do meu corpo
e for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
a minha filha
e mais tarde que diga à sua filha
que eu voei lá no céu
e fui contentamento deslumbrado
ao ver na sua casa as contas de somar erradas
e as batatas no saco esquecidas
e íntegras


Ana Luísa Amaral