28.6.08

O teu espaço : porque é de ti que me vem o fogo



Kate Lehman


Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua sombra e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém,
teu sinal de fogo e leite repõe a força
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor.

Herberto Helder

26.6.08

Espaço : mantermo-nos à tona de água


Lovisa Ringborg

Por vezes é a única coisa que conseguimos fazer.

23.6.08

Acontecimentos importantes no espaço


Pat Brassington


A borboleta dança com as nuvens. O esquilo foge, gentil, para dentro da árvore. O monge pendura a harpa no cipreste. O cavalo bebe, num rio de névoa, a lua.

Mário Rui de Oliveira

21.6.08

Um espaço sobre o que as plantas nos ensinam



Brett Deacon
Imogen Cunningham


Eu aprendi com a primavera a me deixar cortar e voltar sempre inteira

Cecília Meireles

Muitas vezes distraídos, vamo-nos deixando enfeitar com o desnecessário e falso, levados por convicções inférteis assentes na imagem e na vontadezinha de controlar o que nos rodeia.

Algumas plantas explicam-nos que de tempos em tempos precisamos de poda, de sermos cortados para crescermos melhor.

A árvore acima é um Gingko Biloba, considerada fóssil vivo e símbolo de longevidade. Não precisa de ser cortada mas, pelo menos, no outono, tem de deitar para o chão as suas folhas cor de sol para as substituir pelo esperançoso verde da estação que terminou ontem.

Enfim... falam-nos de mudança, de transformação, de nos tornarmos inteiros. MAIS INTEIROS.

20.6.08

Espaço: das manhãs


Barbara Cole


Das manhãs

Apenas levarei a luz

Despovoada

Sem promessas
sem barcos
E sem casas

Não levarei o orvalho das ameias
Não levarei o pulso das ramadas

Da tua vez

Levarei os sítios das mimosas
Apenas os sítios das mimosas

As pedras
As nuvens
O teu canto

Levarei manhãs e madrugadas


Daniel Faria

18.6.08

Um gesto, uma palavra no espaço. Teriam bastado?

Hendrik Kerstens



Rodopiamos na vertiginosa procura
até os dedos, exangues, se soltarem
até os olhos, mudos, desesvoaçarem
enlouquecidos na desventura

Calcorreamos o verso até à exaustão
delapidamos os dias projectados
perdemos os pássaros, refugiados
esgotamos os passos sem chão

Incrédulos
não estendemos os braços à memória
nem permitimos a luz…

Um gesto mais lento que a brisa
uma palavra mais leve que o medo
Teriam bastado ?...


Pedro Castro Silva

Espaço : filho de peixe sabe nadar e voar


Pablo Auladell


Nasci d'asas
Com asas
Cortaram-me as guias
De pé no chão
Vieram os filhos
Cortaram-me os pés
Cresceram as asas
Sei só voar
Sem pé em terra
Sem pé no ar
Tenho pé no ar
Filho d'asas
Sabe voar.

Almada Negreiros

Foi-me muito rápido passar deste texto e desta imagem para o dizer: filho de peixe sabe nadar. Mas, na verdade, não me parece que tenhamos apenas esse estreito destino.

Vivemos a tensão de nos irmos reconhecendo como somos aceitando as nossas limitações e, ao mesmo tempo, o desejo de concretizarmos [realisticamente] a possibilidade de sermos um pouco mais.

Atrevamo-nos!

17.6.08

Este espaço é o que vos desejo


Martin Klimas

now the ears of my ears awake and
now the eyes of my eyes are opened

e. e. cummings

Espaço do poema


Somayeh Bardai


O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas vegetação. Nem
tão pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes -

o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
do que as palavras
acompanhadas
no poema.

Casimiro de Brito


13.6.08

Leituras obrigatórias no espaço











Nate Larson
Lovisa Ringborg


Moriana
Plan(o)alto
There's only 1 alice


enquanto dormias despenharam-se
três cometas sobre o estuário do rio

revolvendo as águas

Tiago Araújo

12.6.08

Espaço em combustão


Van Gogh


As árvores são lugares imensos, como pálios
dobrados sobre o tempo. Creio que existem
como mutação da realidade, como o movimento
imperceptível de Deus sobre as águas. Existem
expostas à erosão, na curvatura quebrada
da superfície, no sacrário de uma natureza ferida.

Existem como uma porção infinitesimal da alegria
do mundo. Depois morrem sem que ninguém perceba
e a sua sombra perdura à morte, à decomposição lenta
das suas estruturas silenciosas como abismos,
indecifráveis como mistérios antigos, extensíveis
como os braços de Deus em combustão.

José Rui Teixeira

11.6.08

Um espaço que coze por dentro




Jennifer Anderson

Deveria ter feito da minha música um amor mais silencioso
como se de uma arte privada se tratasse.

A ti, a quem falo de poesia, a ti
que assistes ao desenrolar de qualquer coisa que não compreendes,
respondo-te que também eu não compreendo,
que não há que compreender,
porque nada nos condena à fala
antes que as palavras aconteçam.

Por exemplo, esse poema começado numa manhã de Junho
e nunca terminado: um princípio de verão,
a janela que dá para o alcatrão sem tráfego serpenteando pelas colinas.
A rua de dia de semana
e o arquipélago da solidão despertando
para as poucas coisas que procuro
e que o poema irá entretecer
se entretecer. -
A virtude que, cega,
vai conhecendo o seu caminho.

Desprende-se um fio luminoso da impossibilidade das palavras,
e se ficamos tristes não era para ficarmos,
pois não existem momentos irrepetíveis.
Eles aninham-se no sangue
e voltam a mergulhar-nos na experiência:
um dia de verão, um bosque, colinas
onde a serpente de alcatrão se enrola.
A ausência de tráfego como motivo.

A pouco e pouco vou recuperando a gravura.
Agora sei que havia uma ave sobre as colinas,
pois há sempre uma ave, ou a sombra dela,
nos meus poemas. Que havia água,
o cheiro das inusitadas chuvas
pela manhã de Junho.

O rumor da imagem colado aos dedos.
O ocre escuro das areias espalhado na mesa
é um símbolo da infância,
mas não o reconheço ainda.
O poema é uma enumeração que não teve lugar,
que nunca terá. Eu, à beira do fracasso,
não o reconheço ainda.

Enquanto isso tem lugar em mim o advento
do que me define,
e o barro de que sou feito coze por dentro.

Luís Quintais

10.6.08

Um espaço oferta um espaço despido



Doris Mitsch
Ella Dreyfus



Dentro de mim
há uma planta
que cresce
alegremente
que diz
bom dia
quando nos amamos
ao entardecer
e boa noite
quando florimos
à alvorada
uma árvore
que não está com o tempo
este tempo
a que chamamos
nosso.

Pedro Oom



6.6.08

Espaço non-stop




Bom fim de semana... aqui!

As ondas selvagens do teu espaço


Keziah


Então por um momento os dois se apagaram na doce escuridão tão profunda que eles eram mais escuros que a escuridão, por uns instantes ambos eram mais escuros que as negras árvores, e depois tão escuro que, quando ela tentou erguer os olhos até ele, só pôde ver as ondas selvagens do universo acima dos ombros dele, e então ela disse: "Sim, acho que eu também te amo.".

Clarice Lispector

4.6.08

Sobre espaços e caminhos



Elene Usdin
Verner Soler


caminho como sempre caminhei, dentro de mim - rasgando paisagens, sulcando mares, devorando imagens.

Al Berto

Espaço : quando possível


Tim Flach

Como o cavalo que chega à fonte, e bebe,
como a folha que, ao cair, nos roça,
como a mão vazia, ou aquela boca
que nos quer falar, e não ousa -

tantas são as variantes da vida que se acalma
tantas são as variantes da dor que, enfim, adormece -
oh!, quem não tiver o coração opresso,
que procure a criatura e a console.

Fiódor Dostoiévski

Quase que diria mais, quem tiver o coração opresso, que procure a criatura idêntica e a console. Será talvez essa a sua própria libertação.

3.6.08

As malhas que o espaço tece


Elene Usdin


estas malhas que a vida tece
a vida que me enternece
e entristece
e entontece



estas malhas que ato
e desato
e me envolvem
e comovem



e com mãos pacientes
paciente
vou soltando
libertando



transformando.


Maria Rosa Colaço

1.6.08

Espaço criança


Sandra Poirotte


A prerrogativa da infância é podermo-nos mover entre a magia da vida e as papas de aveia que nos dão, entre um medo desmesurado e uma alegria sem limites.

Ingmar Bergman

Boa noite e até amanhã.