Maggie Taylor
hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado vê a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor 
uma carta à mulher com quem vive
e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele
e se parece com a sua sombra 
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher 
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo 
mas não no mundo 
nem numa mulher 
nem na alma 
quer dizer 
nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim 
como hoje 
que chove muito 
e me custa escrever a palavra amor 
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa 
e só a alma sabe onde as duas se encontram 
e quando 
e como 
mas que pode a alma explicar 
por isso o meu vizinho tem tempestades na boca 
palavras que naufragam 
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou 
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá 
como o silêncio que existe entre duas rosas 
ou como eu 
que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que vê a chuva 
e à chuva 
ao meu coração desterrado 
Juan Gelman

 
2 comentários:
belissimo poema e fotografia extraordinária...
também acho musalia. o texto é magnífico. conquista-me logo na primeira frase.
"hoje chove muito, muito,dir-se-ia que estão a lavar o mundo"
Enviar um comentário